Biden e Lula pelas entrelinhas

Amazônia, democracia e guerra na Ucrânia foram pautas que marcaram o primeiro encontro entre os dois maiores líderes das Américas, ocorrido no início de fevereiro – apenas 40 dias após a posse de Luiz Inácio Lula da Silva. Mas o debate socioeconômico e ambiental pôde ser visto com desconfiança em razão de outro movimento estratégico: o de aproximação do governo brasileiro com a China, inimiga comercial dos Estados Unidos. 

De acordo com o jornal americano The Washington Post, apesar do clima acirrado de disputa pela atenção brasileira, “(…) a visita à Casa Branca é rica em simbolismo e leve em substância. Ainda assim, há a perspectiva de surgir um novo tipo de parceria presidencial. ‘Acho que foi uma oportunidade para os líderes estabelecerem ou restabelecerem um relacionamento pessoal entre eles’, disse Filipe Nasser, assessor sênior do ministro das Relações Exteriores do Brasil, em recente painel de um laboratório de ideias em Washington.”

A verdade é que o presidente Lula tende a encontrar grandes dificuldades em manter a neutralidade entre Ocidente e Oriente, que disputam a atenção dos brasileiros. O presidente norte-americano Joe Biden pretende convidar o Brasil para formar uma aliança internacional para diminuir a influência da China. A Casa Branca prometeu apoiar a tentativa do Brasil de ingressar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), uma associação formada por países de desenvolvimento elevado, assim que a política ambiental estiver de volta aos trilhos. O democrata também anunciou um investimento de US$ 30 milhões na TechMet, uma processadora de cobalto e níquel em território nacional. 

O aporte de capital é um contrapeso aos investimentos da China, a maior parceira comercial do Brasil desde 2009. No ano passado, foram negociados US$ 89 bilhões em exportações. Nos planos dos asiáticos, está o aporte de verba em infraestrutura no Brasil, a fim de aumentar a influência chinesa no continente. No fim de março, Lula planeja um ambicioso encontro com o presidente chinês Xi Jimping. A visita foi confirmada pelo Palácio do Planalto em data ainda não divulgada. Na bagagem, o petista levará pautas como economia verde, inclusão digital e reindustrialização, além de uma proposta de paz entre Rússia e Ucrânia. 

A Revista VOTO entrevistou o empresário estadunidense Kevin Patera, executivo de compras e vendas do ramo da moda que mantém relações comerciais com o Brasil há mais de uma década.

Você transita muito bem entre ambas as culturas. Como diria que os EUA enxergam o encontro entre os dois presidentes?

No geral, o encontro entre Biden e Lula foi visto de forma neutra ou positiva entre o público e a mídia dos EUA. O flanco esquerdo do Partido Democrata viu a reunião como extremamente simbólica, enquanto restante do nosso congresso e público viu a visita como um momento de formalidade e, realmente, não muito além disso.

Para o lado dos EUA, a reunião foi muito mais sobre uma imagem global e um triunfo para a democracia ocidental. Do lado brasileiro, foi uma publicidade para o fortalecimento de parcerias nas Américas, especialmente porque o terreno geopolítico continua a evoluir pós-Trump, pós-Bolsonaro e pós-COVID, considerando, também, a guerra em curso na Europa/Ucrânia.

O que ficou nas entrelinhas?

O flanco esquerdo de ambos os países foi decepcionado em relação às ações tomadas como resultado da reunião, principalmente no que diz respeito ao financiamento da Amazônia, que foi amplamente subestimado nos EUA.

Na minha opinião, a visita simbólica foi em grande parte sobre a criação de um momento ou imagem de estabilidade e força nas Américas, já que ambas as nações inauguram uma era de governo dividido (congressos conservadores e presidentes/poderes executivos liberais). O pano de fundo foi promover, para o palco mundial, que a democracia ocidental funciona e é mais forte do que nunca quando ambos os países se mostram juntos.

O que o futuro reserva?

Os EUA esperam um relacionamento mais estável com o Brasil nos próximos anos em relação a questões globais, como preparação para pandemias, preservação da Amazônia, etc.

O lado brasileiro, embora alguns se sintam mal atendidos monetariamente pelo governo Biden para o financiamento da Amazônia, por exemplo, pode reivindicar sua primeira vitória internacional no fortalecimento de alianças no Ocidente pós-Bolsonaro e isolamento.

Nos próximos meses, esperamos discussões contínuas e um diálogo renovado entre nossas nações. No entanto, devido aos mencionados governos divididos, a expectativa de mudanças rápidas nas políticas parece sombria. Acredito que podemos esperar uma aliança mais estável ― porém, como isso irá traduzir, para ambos os países, objetivos e necessidades comuns continua a ser visto.

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