QUE REFORMA TRIBUTÁRIA QUEREMOS?

Igor Morais

Pós-doutorando em economia aplicada e Data Science na Universidade da Califórnia – Riverside – igoracmorais@gmail.com

Após anos de ausência de importantes reformas no Brasil, a sociedade parece finalmente enxergar a possibilidade da solução de diversos problemas históricos. E o início foi o endereçamento da reforma da Previdência – que abriu espaço para a discussão de outros temas de uma agenda extensa. Envolve desde o sistema eleitoral e representativo até aspectos de segurança pública, passando por educação, acordos comerciais, tributos, entre outros.

Com tamanha demanda por mudanças, fica difícil eleger um item prioritário, mas parece que o meio político já tem sua escolha: a reforma tributária. Não há a menor sombra de dúvidas que essa é uma reforma essencial para todos. Excetuando profissionais da área que ganham com esse sistema caótico que temos, ninguém está satisfeito com o atual desenho da legislação tributária. Mas, mesmo reconhecendo a necessidade de mudanças, você sabe o que poderia ou deveria ser modificado? E mais ainda: seria este o melhor momento para fazer isso? Neste texto, vou chamar atenção para esses dois pontos. Adianto ao leitor que, mesmo sendo forte defensor de uma reforma tributária, tenho receio sobre sua discussão agora.

Diagnóstico

Você é um brasileiro com a sensação de que paga muitos tributos? Esse sentimento é válido se olharmos para o passado ou em relação a nossos pares. No primeiro caso, basta ver que a atual carga tributária de mais de 32% do PIB representa um aumento de 50% sobre os 21% do início da década de 1990. Não é apenas a criação de tributos que explica esse movimento, mas, fundamentalmente, o aumento paulatino de diversas alíquotas – sejam elas de competência de municípios (como o IPTU), de estados (como o ICMS) ou então da União (como o Imposto de Renda), Imposto de Importação e as diversas contribuições (como a Cofins). Portanto, falar de pagamento de tributos é apontar o dedo para as três esferas da administração pública.

A nossa segunda evidência de que pagamos muitos tributos é quando nos comparamos com nossos pares. De fato, o Brasil não possui a maior carga tributária do mundo. A média de países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 34% do PIB – onde aqueles com mais apetite para tirar dinheiro do cidadão são França (46,2%) e Dinamarca (46%). Mas note: ambas são economias com renda per capita elevada, com US$ 45 mil e US$ 55 mil ao ano respectivamente, oferecendo uma boa qualidade de vida para seus cidadãos.

Se olharmos a relação entre a carga tributária e o PIB per capita de diversos países, poderemos ver que aqueles com maior renda convivem com mais tributos. Isso não é efeito de causalidade, mas mera relação de escolha dessas sociedades que demandam mais serviços do Estado – e isso não quer dizer que sua população esteja satisfeita. E há exceções: a Suíça, por exemplo, possui renda per capita de US$ 68 mil/ano e carga tributária de 28,5% do PIB, bem menor que a do Brasil. Sim, eu sei que o leitor está pensando que poderíamos ter serviços no Brasil da qualidade dos oferecidos aos habitantes na Suíça. Mas, também, daria para ter serviços com a qualidade oferecida nos EUA, Austrália, Japão e Coréia do Sul, todos com carga tributária sobre o PIB menor do que a brasileira. E ainda tem o México e o Panamá, ambos com renda per capita próxima à brasileira, mas com carga tributária de 16,2% e 14,7% do PIB, respectivamente. E se esse foi seu pensamento, então já tem a resposta sobre o que devemos esperar de uma reforma tributária: “que possa tornar o Estado mais eficiente na prestação de serviços aos seus cidadãos, sem que, para isso, tenhamos de pagar mais tributos”. A famosa frase “dá para fazer mais com menos” se encaixa perfeitamente na situação atual de relação entre o pagador de tributos no Brasil e o Estado.

Não seria necessário avançar muito na ilustração dos problemas tributários brasileiros para convencer que precisamos fazer uma reforma. Mas quero citar mais um ponto que considero importante nessa discussão e vai ajudar a definir que tipo de reforma devemos fazer. Números mais recentes mostram que o Brasil é campeão de horas gastas para preencher formulários relacionados a tributos e fazer seus pagamentos. A distância que nos separa – inclusive de países de renda per capita menor do que a nossa – é assustadora, e essa burocracia chega a ser nove vezes maior do que a média mundial. Tal cenário é fruto das mais de 363 mil normas tributárias que foram editadas no Brasil desde a Constituição de 1988. É uma média de 1,88 por dia útil, gerando um custo para as empresas da ordem de R$ 60 bilhões/ano para dar conta de acompanhar essas mudanças. E, mesmo assim, com o risco de levar uma multa. Não é fácil empreender e viver em um país onde “até o passado é incerto”. E tamanha confusão contribui para que figuremos entre os dez países com maior sonegação de tributos no mundo, resultando em pouco mais de R$ 1 trilhão ao ano não recolhido aos cofres públicos. Esse valor seria certamente maior se pudéssemos computar o custo que a sonegação causa às empresas que pagam seus tributos em dia e se defrontam com essa concorrência desleal, bem como a mensuração da insegurança jurídica e da sensação de injustiça.

Possíveis soluções

Discutimos acima, pontualmente, alguns problemas da nossa estrutura tributária: (i) pagamos muito para o Estado; (ii) há elevada burocracia tributária; (iii) existe muita sonegação de tributos. De imediato, por mais difícil que possa parecer, uma reforma deveria atacar primordialmente esses três pontos, reduzindo a carga, racionalizando a legislação e melhorando a fiscalização. E destaco: racionalização não significa adotar a ideia totalmente descabida de ter imposto único. Mas seria muito esperar todas essas mudanças em uma única proposta. E nem precisa. O importante é ordenarmos as mudanças de forma a dar tempo para ajustes na sociedade. Até porque, para uma reforma tributária funcionar de verdade, ela deve vir acompanhada de mudanças satélites que lhe darão mais robustez. Por exemplo, vamos descentralizar a arrecadação de tributos, seguindo o lema “mais Brasil, menos Brasília”? Então temos de implementar um federalismo de verdade, dando autonomia de gestão financeira para estados e municípios captarem recursos no mercado e se endividarem sem precisar da “mãe União” para socorrê-los em caso de default. Vamos combater a sonegação, então temos de adotar o blockchain no setor público e mudar as regras para tornar mais punitiva a sonegação. Vamos reduzir a burocracia, então temos de promover um amplo programa de digitalização das instituições em todas as esferas federativas. Ou seja, há muitas mudanças a serem feitas que podem gerar bons resultados no curto e médio prazo.

Mas o que mais me preocupa é: nesse tipo de reforma, sabemos como o projeto entra, mas não sabemos como vai sair. Além disso, em um cenário que falta, somente para a União, mais de R$ 110 bilhões para fechar as contas, fica difícil esperar que seja aprovada uma reforma que tenha redução de tributos. E como forçar estados a reduzirem ICMS? Centralizar tudo em um IVA federal é regredir na ideia de independência na gestão. O ponto é: perdemos o momento ideal de uma reforma mais ampla. Entre 2000 e 2013, sobravam recursos no caixa do governo federal da ordem de R$ 100 bilhões todo ano. Aquele era o momento de começar a fazer a racionalização do sistema e implementar o federalismo sem prejuízo da trajetória da dívida interna.

Portanto, o que devemos fazer primeiro, e rápido, é cortar os gastos, privatizar e fazer valer a Lei de Responsabilidade Fiscal não somente para a União, mas também para os estados e municípios, tornando-a bem punitiva. Enquanto isso, podemos discutir medidas de redução da burocracia e sonegação, mas não alíquotas, pois o natural vai ser que os políticos queiram arrecadar mais. Quando o superávit fiscal aparecer, o que pode ser em até três anos, começamos a discutir alíquotas. Se acha que não é assim, experimente ir fazer compras no supermercado com fome. Certamente irá comprar coisas desnecessárias e mais do que precisaria.

Comentários

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Please enter comment.
Please enter your name.
Please enter your email address.
Please enter a valid email address.
Please enter a valid web Url.