SANDRA COMODARO: ELA TEM LUZ, VOZ E DECISÃO
Empreendedora e corajosa, Sandra Comodaro tem uma convicção: há espaço para as mulheres estarem em postos de comando. Servindo de inspiração para brasileiras, a líder paranaense compartilha com a VOTO sua visão sobre o turbulento cenário político nacional, o valor da ética e a capacidade feminina de mudar o mundo.
Uma das advogadas mais respeitadas do Brasil, Sandra Comodaro é executiva da Nelson Willians. Considerada a maior empresa jurídica do país, a banca full service possui 29 filiais próprias em todo o Brasil. E a influente advogada paranaense tem o desafio de dirigir boa parte das mais importantes carteiras da empresa. Ela concedeu uma entrevista exclusiva à VOTO, destacando alguns de seus princípios profissionais e o papel da mulher na política.
VOTO. A sua trajetória foi inclinada ao Direito por circunstância do acaso ou é oriunda de alguma inspiração?
Sandra Comodaro. Aos 16 anos, consegui meu primeiro emprego na linha de produção de uma fábrica de tecelagem. Em menos de 15 dias, já tinha sido promovida, sem experiência, para ser secretária executiva do presidente da companhia. Enquanto trabalhava, fiz Administração com ênfase em Comércio Exterior e via muito o Direito Internacional. Assumi o departamento de comércio exterior da empresa. Importávamos e exportávamos muito para China, Panamá e outros países. Passei a analisar contratos internacionais. Então, percebi que precisava cursar Direito.
Fiz o curso e dediquei-me em passar na prova da OAB. Mas não conseguiria se continuasse trabalhando no ritmo em que estava. Trabalhar incansavelmente é um pouco da minha natureza. Queria sair da empresa, mas não queriam me deixar. Eu crio raízes por onde passo. Mas conseguimos negociar e, seis meses depois, passei na OAB.
V. Quais são os principais desafios jurídicos do empreendedor atual?
SC. São muitos, desde lidar com a alta carga tributária brasileira à gestão e retenção de pessoas, que são o maior ativo que uma empresa pode ter. Também há toda a gestão financeira e a burocracia, desde a jurídica, societária e de regulações em geral. Destaco ainda inovação, marketing e vendas, além de ter uma equipe boa, engajada e criativa.
V. Como a prática do Direito com responsabilidade e ética pode contribuir para o avanço do país?
SC. A ética vai muito além do Direito. No Direito, é obrigação ser ético. Afinal de contas, durante a sua trajetória, o advogado vai se deparar com várias situações que, muito mais do que capacidade técnica, exigirão dele formação moral capaz de orientá-lo a ser o mais justo possível. O Brasil vive uma séria crise ética em meio a tanta notícia sobre corrupção nos últimos tempos. É o momento mais que propício para se discutir o tema.
Com a Lava Jato, as pessoas e empresas estão mudando a forma de agir. O jeitinho brasileiro não cabe mais nas corporações. Caso contrário, o tempo de vida dela será curto. E isso só deixará de existir quando retomarmos os valores da coletividade, deixando de lado atitudes egoístas. Sem essa inversão dos valores atuais, o país não sairá desse descalabro em que o homem se vê cada dia mais isolado no seu mundo de interesses próprios.
V. E como superar essa crise ética?
SC. Não bastam apelos, mas uma transformação da sociedade num todo. Hoje uma empresa não ganha uma grande licitação pública ou privada nem atrai investidores se não conseguir provar a ilicitude da demanda, governança corporativa e regras rígidas de compliance.
Para ser breve: tudo deve começar na família. Criar caráter nos filhos, formá-los na busca do bem e da verdade e evitar, sistematicamente, o jeitinho. Um princípio básico é o de tratar sempre humanamente o outro. Tomar absolutamente sério a lei Áurea: “não faça ao outro o que não quer que te façam a ti.” Siga o princípio de Kant: O princípio que te leva fazer o bem ser válido para também para os outros. Oriente-se pelos dez mandamentos, que são universais. Traduzidos para hoje. O “não matar” significa venerar a vida, cultivar uma cultura da não violência. O “não roubar”, agir com justiça e correção e lutar por uma ordem econômica justa. O “não cometer adultério”, amar-se e respeitar-se, obrigando-se a uma cultura da igualdade e da pareceria entre o homem e a mulher.
Isso é o mínimo que podemos fazer para arejar a atmosfera ética e retomar o crescimento do país. Repetindo Aristóteles: “não refletimos para saber o que seja a ética, mas para tornarmo-nos pessoas éticas.”
V. Como é formatado o modelo de negócios da Nelson Wilians Advogados? Hoje, qual a sua responsabilidade como diretora?
SC. A Nelson Wilians possui 29 filiais próprias no Brasil com atuação full service. Somos considerado o maior escritório do país, com mais de dois mil advogados e 17 empresas sendo assessoradas diretamente pela nossa equipe. Faço parte do Conselho de Administração do escritório. Respondo integralmente, desde a sua fundação, pelo estado do Paraná, que hoje conta com 1.238 empresas e 70 advogados. Em São Paulo, dirijo importantes carteiras pessoalmente, e também administro com um time brilhante a área de M&A/fusões e aquisições.
V. Há como se descolar do trabalho? Como concilia a vida no eixo São Paulo e Curitiba?
SC. Não descolo do trabalho (risos). Primeiro, porque amo o que faço. Segundo, porque na medida que você é dono, é inerente ter de conciliar bem a vida pessoal com a profissional. Planejo muito, escolho bem quem eu posso delegar, elejo prioridades a todo instante. E isso tem dado certo.
A mulher, ainda mais do que o homem, precisa se planejar bem. Eis um dos principais desafios da vida moderna. Somos mães, funcionárias, líderes, esposas, namoradas, donas de casa e mais uma infinidade de possibilidades. No entanto, para uma vida saudável física e mentalmente, é preciso equilibrar tudo isso e não se tornar escrava da profissão, ou sentir culpa por momentos merecidos de lazer e zelo com sua vida pessoal.
V. O Brasil vive um período de reconstrução. Como você avalia a travessia do Governo Bolsonaro neste período de mudanças estruturais e reformas necessárias?
SC. Sou e sempre serei muito otimista. E reconheço que as reformas estruturais são extremamente necessárias. A trabalhista reduziu significativamente o passivo trabalhista – na grande maioria injusto – das empresas. Foi um belo passo para o crescimento do país.
O presidente Jair Bolsonaro afirma que “está quase tudo pronto” para a Reforma Administrativa que o governo pretende apresentar ao Congresso. Significará cortar estabilidades. Ora, se uma empresa privada pode ter oscilações de economia e ter de cortar gastos, por que o setor público ficaria engessado se sofre dos mesmos reveses?
Levantamento do Banco Mundial mostra que os servidores federais ganham quase o dobro de um trabalhador do setor privado que ocupa cargo semelhante. Não tem lógica. Como advogada tributarista, o “manicômio tributário brasileiro” impede que o país cresça organicamente. A Reforma Tributária vai trazer mais benefícios para o país do que o Plano Real. Estabilizará a concorrência entre as empresas brasileiras, fazendo do Brasil um dos maiores países em desenvolvimento econômico e industrial. Sou defensora dessa reforma como uma das mais urgentes, para que o sistema seja simplificado e desburocratizado.
V. O Governo Federal sancionou a Lei da Liberdade Econômica, que visa fomentar a atividade do empreendedor que atua em atividade de baixo risco. Como você avalia a proposta do Executivo?
SC. A medida é boa e pretende diminuir a burocracia e facilitar a abertura de empresas, focando em micro e pequenos negócios. Entre as principais mudanças, a MP flexibiliza algumas regras trabalhistas, como o registro de ponto, e elimina alvarás para atividades de baixo risco. Além da facilitação em alvarás, a MP também separa o patrimônio pessoal dos sócios das dívidas da empresa e proíbe que bens sejam usados para pagar dívidas de outra companhia do mesmo grupo, como acontece hoje no caso de processos trabalhistas.
Entendo que é preciso mudar a lógica de que, no Brasil, só há direito para o empregado e nada fica para o empregador. É preciso haver condições para que quem reclama que não tem emprego possa ser empregador.
V. A participação da mulher como líder e empreendedora tem transformado o mercado nos últimos anos, mas ainda há muitos avanços pela frente. Quais são os principais dificuldades encontradas nesse cenário e como você descreve a liderança feminina?
SC. A participação das mulheres em cargos de comando ainda é lenta. Mas chegaremos no topo em pouco tempo. É importante que a própria mulher entenda que ela é tão capaz quanto o homem em qualquer área de atuação – inclusive em áreas técnicas como TI. Vejo que algumas desconhecem a sua própria capacidade, o seu talento.
As mulheres são protagonistas em diversos segmentos na sociedade. O empoderamento feminino está na ordem do dia, e no empreendedorismo não é diferente. Isso não é de hoje. Em 2014, um levantamento do Global Entrepreneurship Monitor (GEM) já identificava que 51,2% dos novos empreendimentos criados tinham mulheres empreendedoras no comando. Ainda segundo o Sebrae, em 14 anos, o número de mulheres donas do próprio negócio cresceu 34% no Brasil, somando cerca de 7,3 milhões em todo o país.
Os números poderiam ser ainda mais positivos, não fossem os desafios enfrentados pelas mulheres empreendedoras. Não basta a motivação para empreender. Ainda é preciso coragem e disposição para encarar barreiras sociais e econômicas. E além dos desafios de abrir o próprio negócio, as mulheres empreendedoras precisam lidar com preconceito, desrespeito, desigualdade e desconfiança.
Se pudesse dar um conselho, caso se deparem com ambiente de negócios majoritariamente masculino, como eu encontrei na advocacia e numa fábrica, converse com outras líderes. Inspirem-se nas histórias de luta delas. E, também, conheça suas próprias habilidades. Melhore-as, encontre suas falhas e busque corrigi-las, sempre se avaliando e executando suas funções da melhor maneira possível. Não tema nunca a possibilidade de arriscar e de inovar, principalmente se estiver ocupando ou almejando uma posição de liderança. Afinal de contas, o preconceito termina onde acha a competência.
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